Olá a todos, bom fim-de-semana e bem-vindos a mais uma opinião aqui no blogue! O livro de hoje tem sido muito referenciado nos últimos tempos, embora tenha sido originalmente editado em 1985, ganhou nova vida desde que deu origem a uma série. Falo-vos de “A História de Uma Serva” (título original “The Handmaid’s Tale”) escrito por Margaret Atwood e edição da Bertrand Editora.
Um livro muito comparado a este é o “VOX” de Christina Dalcher. Ambos são distopias onde as mulheres simplesmente perdem todos os seus direitos, sendo que em “VOX” as mulheres andam com pulseiras que dão choques assim que ultrapassarem o limite diário das 100 palavras, aqui neste livro de Margaret Atwood as mulheres férteis perdem os seus direitos, virando servas de uma elite estéril com o objectivo de engravidar dos seus Comandantes. Ambas se passam nos Estados Unidos da América (e eu a pensar que o Trump era das piores coisas criadas lá…). Eu acho que fiz o percurso contrário à maioria que leu primeiro “A História de Uma Serva” e depois “VOX” e muito provavelmente terei uma classificação contrária da maioria dos leitores já que gostei mais do “VOX” do que deste “A História de Uma Serva”.
Mas não se vão já embora, que ainda nem comecei a falar do livro!
“Uma figura, de vermelho com abas brancas em redor do rosto, uma figura como a minha, uma mulher indistinguível de vermelho com um cesto, vem pelo passeio de tijolo na minha direção. Alcança-me e espreitamos o rosto uma da outra, descendo os olhos pelos túneis brancos de tecido que nos encerram. É a mulher certa.
— Bendito seja o fruto — diz-me ela, a saudação estabelecida entre nós.
— Que o Senhor abra — respondo, a réplica estabelecida.
Viramo-nos e caminhamos juntas, deixando para trás as casas grandes, em direção à parte central da cidade. Só nos é permitido ir lá aos pares. É supostamente para nossa proteção, embora a ideia seja absurda: já estamos bem protegidas. A verdade é que ela é a minha espia, tal como eu sou a dela. Se uma de nós se escapar como areia por entre os dedos devido a alguma coisa que aconteça durante uma das nossas caminhadas diárias, serão pedidas contas à outra.
Esta mulher é a minha companheira há duas semanas. Não sei o que aconteceu à anterior. Certo dia não estava lá, pura e simplesmente, e estava esta em seu lugar. Não é o tipo de coisas acerca do qual se faça perguntas, porque geralmente as respostas não são das que queiramos ouvir. De qualquer modo, não haveria resposta.”
Mais uma vez, tendo uma realidade tão estapafúrdia como esta a minha primeira reacção é de nojo e a cada página vou achando que isto é inconcebível na realidade dos dias de hoje, que estando bem longe da perfeição, é muito melhor do que aquela que a serva nos vai relatando. E isto é um dos méritos desta história: os relatos são muito bons, transportando-nos para aquela realidade e fazendo o nosso queixo cair com absurdo que tudo aquilo é.
“É a Janine, a contar que aos catorze anos foi vítima de uma violação em grupo e fez um aborto. Contou a mesma história na semana passada. Quase parecia ter orgulho dela, enquanto contava. Pode até nem ser verdade. No Testemunho, é mais seguro inventar coisas do que dizer que não se tem nada a revelar. Mas, como é a Janine, deve ser mais ou menos verdade.
Mas de quem foi a culpa?, pergunta a Tia Helena, de dedo sapudo espetado.
Dela, dela, dela, entoamos em uníssono.
Quem é que os incitou? A Tia Helena está radiante, satisfeita connosco.
Ela. Ela. Ela.
Porque é que Deus permitiu que acontecesse uma coisa tão terrível?
Para lhe dar uma lição. Para lhe dar uma lição. Para lhe dar uma lição.”
Este livro está recheado de frases marcantes e ainda não ia a meio do livro e já tinha mais de uma dezena delas marcadas. Como em todas as civilizações extremistas como esta, há sempre um pequeno grupo de pessoas que acaba por não cumprir as regras e a nossa serva acaba por ser arrastada também para esse mundo. Depois disto, aquilo que eu mais quero enquanto leitor é que haja alguma acção que tente resolver o conflito e que não aconteça aquilo que aconteceu aqui… Um final em aberto em que não sabemos o que aconteceu depois, tendo só uma análise histórica feita numa sala de aula muitos anos após aquela era desastrosa! Eu detesto finais inconclusivos e foi por isso que só dei uma classificação de três estrelas no Goodreads. Em comparação com o “VOX” a história é melhor, a realidade descrita é de doidos em ambos os livros, mas estes finais “em aberto” que encaixam muito bem nas séries televisivas, para mim enquanto leitor, detesto-os! Acho que a mensagem era demasiado importante que precisava de um final ou de uma continuação. Ainda assim é um bom livro e recomendo-o a todos para que juntos percebamos que o caminho a seguir é exactamente o oposto da realidade deste livro! E vocês já leram? Gostaram? Já viram a série? Comentem à vontade e até à próxima!
“— Eu podia ajudá-la — diz ele. Sussurros.
— O quê? — digo eu.
— Chiu — diz ele. — Eu podia ajudá-la. Já ajudei outras.
— Ajudar-me? — digo eu, num tom de voz tão baixo como o dele. — Como? — Saberá alguma coisa, terá visto o Luke, encontrou-o, poderá trazê-lo de volta?
— Como é que acha? — diz ele, ainda a murmurar. Aquilo é a mão dele a deslizar-me pela perna acima? Descalçou a luva. — A porta está trancada. Não entra ninguém. Nunca haverão de saber que não é dele.
Levanta o lençol. A parte inferior do seu rosto está tapada pela máscara de gaze, regulamentar. Dois olhos castanhos, um nariz, uma cabeça com cabelo castanho. Tem a mão entre as minhas pernas.
— A maior parte desses velhos já não é capaz —diz ele. — Ou são estéreis.
Quase arquejo: ele disse uma palavra proibida. Estéril. Já não existe tal coisa, um homem estéril, pelo menos, oficialmente. Existem apenas mulheres fecundas e mulheres infecundas, é essa a lei.
— Há muitas mulheres que o fazem — continua ele. — Quer um bebé, não quer?
— Quero — respondo. É verdade e não pergunto porquê, porque o sei. Dai-me filhos ou morrerei. Esta frase não tem apenas um significado.”
“A minha saia vermelha está subida até à cintura, mas não mais do que isso. Abaixo dela, o Comandante fode. Aquilo que ele fode é a parte inferior do meu corpo. Não digo fazer amor, porque não é isso que ele está a fazer. Copular também não seria o termo adequado, porque implicaria duas pessoas e há apenas uma envolvida. Violação também não o define: não se passa aqui nada que eu não tenha autorizado. Não havia grande escolha, mas havia alguma, e foi isto que eu escolhi.
Assim sendo, fico quieta e imagino o dossel que não vejo por cima da cabeça. Lembro-me do conselho que a rainha Vitória deu à filha. Fecha os olhos e pensa na Inglaterra. Mas isto não é a Inglaterra. Oxalá ele se despachasse.”
“Sois uma geração de transição, dizia a Tia Lydia. É mais duro para vós. Sabemos que sacrifícios se esperam de vós. É difícil quando os homens vos insultam. Vai ser mais fácil para as que vierem depois de vós. Aceitarão os seus deveres de bom grado.
Não disse: Porque não terão memórias de outra coisa.
Disse: Porque não hão de querer coisas que não podem ter.”