Mais um dia, mais uma viagem na vida aqui do filho mais novo da minha mãe.
Hoje vou contar-vos de forma inequívoca, factual e imparcial como foi a minha adaptação a viver com o meu pai quando ele decidiu ir viver com uma mulher, que dali em diante, seria a minha madrasta.
Foi uma transição facílima, tal como vos expliquei a semana passada, e por conta do meu sonambulismo, cheguei a apertar os colarinhos da minha madrasta. Basta que passei de viver sozinho, quase como um neto-“único” da sua avó viúva, para uma casa ligeiramente mais movimentada: o meu irmão mais velho, o meu pai, a minha madrasta e as suas quatro filhas.
A partir desse momento ganhei quatro irmãs “emprestadas” (ainda ninguém me mandou a factura destes empréstimos, por isso pouco barulho) e como toda gente sabe, a convivência com mulheres, naquela altura ainda crianças como eu, é sempre muito fácil de gerir.
Não havia brigas, discussões, queixinhas, ciúmes, nada disso… pelo menos enquanto dormíamos (e aí admito, a dormir eu era o pior).
A vida em conjunto ia de vento em popa entre os humanos daquele agregado familiar. O mesmo já não podia se podia dizer de uns estranhos seres que apareciam várias vezes e de várias formas no Hall de entrada, chamados… vasos.
Estes tinham lugar garantido no chão lá de casa
Os coitados teimavam em pôr-se no caminho duma casa cheia de gente e por vezes ficavam um pouquinho danificados, com pouco mais de 99% de danos.
Depois chegava a hora do departamento de investigação, a minha madrasta (quem mais), entrar em acção. Para que fique registado: os investigadores do FBI ao pé dela são uns amadores.
Entrávamos em interrogatório— Fase 1:
— Quem é que partiu o vaso? — questionava.
— Ah eu não fui, nem vi nada. — dizia uma delas. Lamento, mas a memória já não dá para especificar. No entanto, as palavras transcritas correspondem, em 100%, àquilo que foi dito na altura.
— Eu não vi nada, nem fui eu. — dizia outra com muita originalidade.
— Quando eu cheguei já estava assim. — dizia o meu irmão ou outra delas, naquela época ninguém tinha seios desenvolvidos nem voz grossa, fica difícil ter a certeza. Mas como já sabem, o texto é… 100% real e verídico.
Pronto e para não vos estar aqui a arreliar com todas as desculpas esfarrapadas que eles davam, vou relatar uma coisa estranhíssima: sempre que chegava à minha vez o caso ficava resolvido.
Estes senhores podiam aprender e prender muito mais com a minha madrasta
— Nuno, foste tu que fizeste isto? — Perguntava a Sra. Dona Juíza madrasta.
— Não fui eu, foi o cão! — respondia eu genuinamente, mas já fora de mim: toda a gente sabe, e isso inclui a minha madrasta, que eu não gosto que me chamem pelo nome próprio (são estratégias de investigação).
— Oh Nuno (aqui já ficava doido, começava logo a chorar) como é que foi o cão se nós nem temos cão?!
Caso encerrado, julgado e resolvido. Fim da audiência.
“Ah! Ah! Ah! Foi ele mãe”, “É mesmo mentiroso o meu irmão”, “Foi o cão, bela piada, tens jeito para isso” — diziam os restantes suspeitos em euforia. Calma aí tribunal lá de casa, eu tenho sentimentos! Queres ver que um miúdo já não pode ter um cão imaginário a andar sempre atrás de mim e a espatifar um vaso ou dois com o rabo?!
E foi a partir daí que comecei, de forma injusta e injustificada, a levar com as culpas todas. Equacionei (mesmo antes de saber o que era uma equação) mudar o meu nome para “Governo”.
Por fim, alguém decidiu em ter mesmo um cão, bem típico que ele era: arrasado de Pastor Alemão e Husky, mas chamava-se Rex como manda a lei.
— Agora sim, tenho um cão a sério para rebentar uns vasos no chão. — pensei eu.
3,2,1… Vaso no chão.
Madrasta-juiz, entra em acção e chama a depor:
— Rex, quem é que partiu o vaso?
Não é que o cabrão do cão apontava sempre para mim?! Com testemunhas parciais destas, assim até o meu cã… pronto já sei… eu… fui eu.
Tem cá uma graça...
.
O problema acabou por se resolver: nunca mais compraram vasos!
E vivemos felizes para sempre, até ao episódio seguinte…
— Rex, anda cá ao dono gordo que eu não te aleijo…