Olá a todos bem-vindos a mais uma opinião. O livro de hoje fez parte das leituras do mês de Novembro: Estou Viva, Estou Viva, Estou Viva de Maggie O’Farrell, editado em Portugal pela Elsinore.
Neste livro temos dezassete relatos que, de uma forma ou de outra, se cruzaram com a morte. Eis a minha expectativa antes da leitura:
De vez em quando gosto de visitar o tema ao qual nenhum de nós vai escapar: a morte. Há uns anos li um livro que abordava o tema da eutanásia, através de relatos de doentes terminais. São livros que doem, mas com os quais aprendo muito sobre a opinião das pessoas que passam por momentos difíceis e como elas gostavam de ser tratados e quais são os limites a que se devem prolongar esses tratamentos que mais não fazem que adiar o inevitável. Deste livro, não sei muito bem o que esperar, se algo semelhante ou totalmente diferente, mas tendo em conta o tema parece-me que não há como fugir de um livro que mexerá comigo.
“O que aconteceu àquela rapariga, e que esteve tão perto de me acontecer a mim, não é uma cosa que se articule com leveza, que se transforme numa história engraçada, que tome a forma de uma récita, contada e recontada à mesa de jantar ou ao telefone, passada de contador a contador. É uma história de horror, de mal, dos nossos piores receios. É uma história para estar enterrada num lugar escuro que nunca se visita. A morte passou por mim naquele carreiro, tão perto que lhe senti o toque, mas apanhou a outra rapariga e engoliu-a.”
Sendo um livro de relatos e memórias, parti curioso para esta leitura com o objectivo de perceber até que ponto seriam esses encontros com a morte. A quantidade de relatos também despertou a minha curiosidade. O que acabou por acontecer foi um misto de sensações. A cada relato tínhamos o desenho da parte o corpo que quase causou a morte a cada uma destas pessoas e isto eu gostei. Depois todos eles estão muito bem escritos e o relato fica muito bom do ponto de vista técnico. O que percebo eu de técnica?! Nada, mas senti (e isto é o que provavelmente define “boa técnica”) a veracidade da história, os sentimentos das pessoas afectadas por estes acontecimentos.
“Não há aviso — só um ruido metálico súbito e a sensação de vento frio a atravessar a cabina.
De repente, o avião está a cair, a despenhar-se, em queda livre, como uma pedra atirada de uma falésia. A velocidade da queda é espantosa, o arrasto, a aceleração. Parece a montanha-russa mais desagradável do mundo, como um mergulho no vazio, como ser puxada pelos tornozelos para o abismo sem fim do inferno. Nos meus ouvidos e no meu rosto desabrocham pétalas de dor, com o cinto de segurança a trilhar-me as coxas enquanto sou impelida para cima.”
No entanto, muitas destas narrativas, embora bem escritas, não têm nada de extraordinário no que respeita à situação que origina a quase-morte. Não gostei disso, se calhar sou eu que sou insensível, mas eu prefiro algo mais fora do normal, senão podemos chegar ao ponto de um relato de quase-morte por tudo, até por passar a estrada e quase ser atropelado.
“Quando acontece — e vai acontecer, a longo dos anos, várias vezes —, o impacto é como uma bola demolidora. De cada vez que estiveres deitada no divã, vais olhar fixamente para os rostos dos radiologistas enquanto examinam a imagem no monitor e vais aprender a reconhecer a expressão — as feições ligeiramente caídas, o sobrolho franzido, uma certa hesitação assustada— e vais saber, antes que digam seja o que for, que mais um não sobreviveu."
Vai ser difícil, em todas as vezes, não dar ouvidos às acusações internas de incompetência. O teu corpo falhou na sua função mais natural; nem sequer consegues manter um feto vivo, és inútil; falhaste como mãe, ainda antes de teres sido mãe.
Não ouças estas fadas más, tentas dizer a ti mesma. Não fizeste nada de mal.”
No fim de contas, não é um livro que vá recordar como um bom conjunto de experiências (neste contexto dizer “bom” é de génio, eu sei) e não teve o impacto que antevi. Pode-se colocar a questão destes livros de não-ficção e relatos serem de extremos comigo: ou os adoro e marcam-me profundamente ou os detesto e só quero esquecer que perdi tempo a lê-los. Isto também acontece com vocês ou sou só eu? Comentem aqui ou nas redes sociais. Se já leram?! Se gostaram?! Se sou eu que sou um insensível de primeira?! Gostava muito de saber as vossas opiniões! Obrigado a todos e até à próxima.
“Quando és criança, ninguém te diz: vais morrer. Tens de descobrir isso por ti.
Algumas pistas são: a tua mãe a chorar e, depois, a fingir que não estava a chorar; não deixarem os teus irmãos virem visitar-te; a expressão de preocupação, gravidade e um certo fascínio com que os médicos olham para ti; a maneira como as enfermeiras se esforçam por não te olharem nos olhos; familiares que vêm de muito longe para te verem. Quartos de hospital isolados, procedimentos médicos invasivos e grupos de estudantes de Medicina também são sinais claros.
Ver ainda: presentes muito bons.”
“Passas a ser o tipo de pessoa que pode dizer a uma filha amada, está tudo bem, quando sabes que, mesmo atrás da cortina, alguém está a preparar um bisturi que vai em breve ser usado para drenar um abcesso da perna dela. Tu é que vais ter de a segurar. Vão ser as tuas mãos nos joelhos dela, nos braços dela; vai ser o teu torso a prender o dela. Vai ser a tua voz a falar por cima dos gritos dela, a tentar reconfortá-la, a tentar dizer-lhe que já passa.”