Olá a todos. Feliz 2019 e sejam bem-vindos ao primeiro post do ano.
O livro de hoje foi o último que acabei em 2018 e será o primeiro a conciliar com outro espaço que já falei nos objectivos para este ano novo. Darei aqui a minha opinião sobre o livro como de costume e depois quando falar sobre o filme, irei compará-los. Ora então vamos lá ao que interessa: “Fahrenheit 451” de Ray Bradbury na sua edição mais recente de Maio de 2018 pela Saída de Emergência.
Originalmente editado em 1953, “Fahrenheit 451” é uma distopia de um futuro onde bombeiros em vez de apagarem fogos, incendeiam livros e todos aqueles que ainda resistam a procurar ser fora da lei por lerem às escondidas. Parece confuso?! Nem por isso, o autor faz um bom trabalho em enquadrar-nos na história de um desses bombeiros, Guy Montag, que persegue esses “leitores criminosos”!
É engraçado, sem ter graça nenhuma, a forma como vamos compreendendo as implicações naquela sociedade onde os livros são proibidos e como sofrem aqueles que ainda tentam resistir. Uma dessas resistentes é a vizinha “excêntrica” de Montag que acaba por lhe ir mostrando o valor e a força que os livros já tiveram e como era a sociedade quando ainda era livre para pensar por si.
“— Tu não estás doente.
Montag recostou-se na cama. Enfiou a mão por baixo da almofada. O livro que escondera ainda lá estava.
— Mildred, que dirias se eu decidisse… bem, se eu deixasse de ir trabalhar durante uns tempos?
— Queres abandonar tudo? Depois de todos estes anos a trabalhar, só porque, uma noite, uma mulher e os livros dela…
— Se tu a visses, Mildred!
— Ela não representa nada para mim! Não devia ter aqueles livros. Era responsabilidade dela, e devia ter pensado nisso. Odeio-a! Pôs-te essas ideias na cabeça, e quando dermos por nós estamos sem casa, sem emprego, sem nada.
— Não estavas lá, não viste. Deve haver algo nos livros, coisas que não conseguimos imaginar, para que uma mulher se deixe ficar assim numa casa em chamas. Deve haver algo eles. Não se faz uma coisa daquelas por nada.
— Era uma estúpida
— Era tão racional como eu e tu, talvez até mais, e nós queimámo-la.”
Embora continue a exercer a sua função, Montag começa a questionar toda a verdade que até então conhecia, até que o seu comandante começa a perceber que algo de errado se passa com o seu subordinado. Beatty, como quase todos neste livro, é uma personagem interessante e que ao longo do tempo se vai revelando até ao último momento.
“— Vamos agora pensar nas minorias da nossa civilização. Quanto maior a população, mais as minorias. Não pise nos calos dos amantes de cães, dos amantes de gatos, dos médicos, dos advogados, dos comerciantes, dos cozinheiros, dos mórmones, dos baptistas, dos unitários, dos descendentes de chineses, suecos, italianos, alemães, dos texanos, dos habitantes de Brooklyn, dos irlandeses, dos habitantes de Oregon ou do México. As pessoas neste livro, nesta peça, nesta série de televisão não representam verdadeiramente quaisquer pintores, cartógrafos ou mecânicos que possam viver em alguma parte. Quanto maior o mercado, Montag, menor a margem para controvérsia: lembre-se disso! Todas as minorias, as mais pequenas e menores minorias, têm de ter o umbigo bem lavado e limpo. Autores, cheios de pensamentos perniciosos nas vossas cabeças, fechem à chave as vossas máquinas de escrever! E eles fecharam-nas. As revistas tornaram-se numa agradável papa de baunilha e tapioca. Os livros, segundo afirmavam esses malditos críticos snobes, não passavam de água de loiça suja. Não admirava que tivessem deixado de se vender, diziam os críticos. Mas o público, sabendo o que queria, a saltitar de alegria, lá manteve as revistas de banda desenhada. E as revistas tridimensionais de sexo, claro. E aí tem, Montag: não foi uma decisão governamental. Não houve uma ordem, uma declaração, um ato de censura, nada disso! A tecnologia, a exploração massificada e a pressão das minorias fizeram tudo sem qualquer ajuda. Hoje, graça a elas, pode manter-se feliz o tempo todo, pode ler banda desenhada, revistas de mexericos ou jornais especializados.”
Para nós que adoramos ler, este livro é um ataque directo aos nossos corações, mas o que assusta mais que tudo é como se chegou àquela realidade e como isso têm semelhanças com alguns dos comportamentos que hoje em dia se vêem na nossa sociedade. “Lá” queimam-se livros, “aqui” cada vez se lê menos e isso nota-se na forma como a nossa sociedade cada vez mais se acha mais inteligente, mas realmente cada vez menos se perde tempo a discutir e a pensar “verdadeiramente”.
“— Jesus! Tantas coisas no céu, hora após hora! Como é que o raio daqueles bombardeiros estão sempre lá em cima? Todos os segundos da nossa vida! Porque é que ninguém quer falar disso? Já começámos e ganhámos duas guerras atómicas desde 2022! Será que é por estarmos tão entretidos em casa que nos esquecemos do que se passa no mundo? Será que é por sermos tão ricos e o resto do mundo tão pobre, e que isso já nem interessa? Ouvi rumores: o mundo está à fome, mas nós aqui todos de barriga cheia. Será verdade que o mundo trabalha no duro e que nós só nos divertimos? Será por isso que todos nos odeiam? Já ouvi uns rumores acerca desse ódio também, há muito tempo. E sabes porquê? É que eu não! Talvez os livros nos ajudem a sairmos um pouco desta caverna em que estamos enfiados. Pode ser que nos impeçam de repetirmos os mesmos erros! Não ouço os idiotas na tua salinha dos ecrãs a falarem disso. Raios os partam, Millie, não vês? Uma hora por dia com estes livros, duas horas, e talvez, quem saiba…”
Adorei este livro e saber que se mantêm mais actual nos dias de hoje do que quando foi originalmente publicado é uma prova da genialidade do autor. Autor esse que vou procurar conhecer mais livros. E Vocês já leram?! O que acharam?! Eram capazes de viver numa realidade destas?!
“— O que foi que o perturbou? O que lhe fez cair o lança-chamas da mão?
— Não sei. Temos tudo o que precisamos para sermos felizes, mas não somos felizes. Há algo que falta. Olhei em volta. A única coisa que eu tinha a certeza absoluta que faltava eram os livros que eu tenho queimado nestes dez ou doze anos. Por isso pensei que talvez os livros pudessem ajudar-me.”
“— Não é bem assim — disse a Sra. Bowles. — Eu tive dois filhos por cesariana. Não vale a pena passarmos por aquela agonia por causa de um bebé. O mundo tem de se reproduzir, não é? A raça tem de continuar. Além disso, eles por vezes parecem-se connosco, e isso é muito engraçado. As duas cesarianas deram conta do recado. Oh, mas olhe que isso não é necessário, disse-me o meu médico, a senhora tem ancas para um parto normal, mas eu fiz questão.
— Cesariana ou não, as crianças dão-nos cabo da vida — disse a Sra. Phelps. — Deve estar doida!
— Ponho-as na escola nove dias em cada dez, e só as tenho em casa uns três dias por mês — retorquiu a Sra. Bowles, tentando conter um risinho. — Não é assim tão mau. Meto-as na salinha e ligo os ecrãs. É como lavar roupa: enfiá-la na máquina e fechar a porta. Tanto me podem dar um beijo como um pontapé, é certo, mas graças a Deus que posso responder-lhes com outro pontapé!”
“— Todos temos de abandonar algo quando morremos, dizia-me o meu avô. Uma criança, um livro, um quadro, uma casa, um muro ou um par de sapatos. Ou um jardim acabado de plantar. Algo que tenhamos tocado de uma certa forma, para que a nossa alma possa ter um sítio para onde ir quando morremos. E quando depois de olharem para essa árvore ou essa flor que plantámos, é como se olhassem para nós. Não importa o que fazemos, dizia-me ele, desde que mudemos algo por ação das nossas mãos e o transformemos numa extensão de nós assim que o largamos. Dizia que a diferença entre o homem que se limita a aparar a relva e um verdadeiro jardineiro está no toque. O aparador de relva está ali como podia não estar; o jardineiro estará ali uma eternidade.”