Olá pessoal, como estão essas leituras de Verão?! Eu hoje trago-vos a minha primeira leitura do mês de Julho. Este livro foi um presente de aniversário, sendo propositadamente um tipo de livro fora da minha “zona de conforto” literária. Fala-vos de “Não Há Coincidências” de Margarida Rebelo Pinto.
Tanto a autora como o livro já são bastante conhecidos da maioria dos leitores portugueses. A Autora já conta com mais de uma dezena de romances publicados e este livro foi um dos seus maiores sucessos, publicado há quase 20 anos, ainda no tempo dos escudos (juventude, lamento, se não sabem o que era isto, google it).
Eu admito que até sou um bocado preconceituoso com este tipo de romances em geral, em que tudo é amor, onde há uma luta dos personagens principais, contra tudo e contra todos, para que a relação sobreviva e que acaba com um “E viveram felizes para sempre”. Com isto não quero dizer que esse tipo de romances não presta ou que não tem qualidade ou que é lixo literário. Há espaço e gostos para tudo, para mim nunca será um caso de “ou estás comigo ou estás contra mim”.
No entanto, este livro está longe de ser aquilo que o meu preconceito antecipava. Embora não reinvente a roda, este livro foge muito da norma e do politicamente correcto, principalmente para um livro que já é maior de idade!
Temos então Vera, a nossa personagem principal, que tem uma vida amorosa completamente caótica: está prestes a casar com Tiago, tem um caso com Luís, mas o seu grande amor, desde sempre, é João. Para piorar, numa viagem de trabalho ao Porto, ainda se apaixona por Manel!
“O Tiago aceita estes almoços com a naturalidade que lhe é própria e que não conheço em mais nenhum homem. Já teve alguns ciúmes, quando começámos a andar, mas desde que o conheceu diz que não se intimida. E o mais engraçado é que é verdade, porque o Tiago nem pensa em disfarçar o que sente. Não é por aí que passa o seu orgulho. Se se sentisse de algum modo tocado, não hesitaria em protestar. Mas não. Fala do João com à-vontade e simpatia. Aceita a minha antiga paixão por ele como um património natural e inevitável da minha existência e leva o caso com uma souplesse invejável. Mas só porque me sabe próxima dele e está seguro de si. Felizmente há homens assim. Qualquer outro já me teria feito uma cena de ciúmes à antiga portuguesa por causa dos meus almoços com o João, que volta e meia assinalam a minha existência. Como ele não faz fitas, eu não lhe faço segredo e não há mistérios. Bem, não estou a ser completamente honesta. O Tiago não sabe que existe o Luís. Mas também porque é que tinha de lhe contar? Não somos casados, não jurámos nem fidelidade nem amor eterno. Bem, ainda não chegámos a esse ponto.”
A minha primeira reacção foi: mas que confusão é esta?! Isto é impossível! Mas depois vamos avançando na leitura e começamos a conhecer todas as circunstâncias, a forma de pensar das personagens e chegamos à conclusão que provavelmente somos nós que pintamos sempre os quadros amorosos muito ao jeito da Disney e dos seus príncipes encantados!
Não podemos pensar que Vera é “só” leviana, uma irresponsável e manipuladora, nada disso. Eu acho que ela, como tantas outras existirão na realidade, simplesmente tem uma mistura de sentimentos e sensações dentro dela com os quais não consegue lidar, ou talvez, ainda não descobriu a melhor forma de o fazer.
“Será que só se amam uma vez na vida? Será que não se volta a viver aquele amor total, arrebatador, profundo, violento, inigualável e inesquecível nunca mais? Temo que sim, mas espero que não. Amanhã, se for almoçar com o João, atiro com o assunto do meu casamento com o Tiago para cima da mesa, só para ver o que é que ele diz. Nem sei bem se me quero ou não casar com o Tiago, mas depois logo se vê. Pelo menos lanço os dados. Ele que os apanhe como puder. Se ao menos eu gostasse mesmo do Tiago… Mas não. O que eu gosto é que ele goste de mim. E o pior é que gosta mesmo.”
A escrita da autora é simples, como deve ser, para que o foco seja a acção e as personagens. No entanto gostei bastante da forma como vai relatando os pensamentos, não só de Vera, mas de todos, e por aí se vai percebendo todas as dúvidas e angústias destas personagens. Dá para “ver” o raciocínio todo de cada pensamento, até mesmo as opiniões que cada um tem sobre o mesmo tema ou pessoa e isso está bem conseguido neste livro.
“A minha pulsação acelera e fico irritado por sentir o sangue a correr mais depressa, mas disfarço e começo a fazer as habituais perguntas: onde é que é, se já fez o vestido, onde está o anel de noivado, etc. Mal a oiço. Tento imaginar a Vera casada, mas não consigo. Com filhos, sim, sempre a imaginei. Um filho meu, às vezes falávamos disso. Mas casada? Fiz um esforço para me habituar à ideia antes do fim do almoço. A Vera já me tinha falado em casamento, mas sempre achei que era bluff. Desta vez não. A conversa não era só para inglês ver. Tentei espicaçá-la, mas as respostas que obtive já estavam razoavelmente amadurecidas. Cada vez que pensava em interrompê-la, ela atirava-me com os argumentos que me passavam pela cabeça e rebatia-os com a agilidade de um campeão de esgrima e a lucidez de um psicoterapeuta.
Ela tinha razão em muito do que dizia. Davam-se bem. Juntos estavam a criar um projecto de vida. Gostavam um do outro. Queriam ter filhos. Tudo como nas telenovelas. Mas todo o discurso era demasiado linear, demasiado construído e racionalizado para ser completamente sincero. Senti que me estava a escapar alguma coisa.
— Estás a tentar convencer-me a mim ou a ti?”
Este livro também deve ser analisado à luz do ano em que foi escrito, porque olhando para trás este livro deve ter desmistificado aquela ideia que a nossa sociedade tem, de sermos de bons costumes e de não partirmos um prato, quando na realidade (e não se esqueçam que falamos de sentimentos) partimos a loiça toda e a maioria das vezes da pior maneira, deixando sequelas em nós e nos outros!
Embora actualmente já possam existir muitos livros que abordem assim as inconstâncias e atribulações nos relacionamentos, e agora vou falar sem informação nenhuma que o confirme, é só uma noção generalizada, este livro parece-me ter sido dos primeiros a abordar esta confusão que são os nossos sentimentos sem julgamentos e de forma desprendida, não querendo julgar ninguém apenas relatar uma realidade como tantas outras.
“E, no meio disto tudo, ando enrolada com o Luís. Se o João soubesse, nunca mais me falava. Mas o Luís é irresistível. Ou então sou eu que não tenho capacidade para resistir. Cada vez que estou com ele acho sempre que vai ser a última, mas depois ele liga-me e dou comigo a pensar porque não? Qualquer dia tenho de contar ao João que tenho um caso. E já agora que não me dou bem na cama com o Tiago. Mas primeiro tenho de perceber porquê. Não posso estar com o juízo todo. Como é que ponho a hipótese de me casar com o Tiago se não gosto dele, não o admiro, não tem nada que ver comigo e nem sequer me apetece ir para a cama com ele? A resposta é aterradoramente simples. Quero casar-me. Quero ter filhos. Quero ser mãe. Quero um estatuto, um papel, uma missão na Terra. Não aguento mais ficar especada nas montras das lojas com roupas para bebés, brincar com as crianças dos outros, olhar para as fotografias dos filhos do João e sonhar que são meus. Quero um bebé só para mim. Uma vida. Uma família. Um lar. Uma coisa qualquer que sirva de base para sentir que a minha vida não está sempre na mesma desde que me apaixonei pelo João. Se ao menos deixasse de gostar dele conseguia libertar-me, recomeçar do zero e ser dona de mim mesma. Mas em vez disso finjo perante ele, o Tiago, o Luís e, pior do que tudo, perante mim mesma, que já não gosto dele. Estúpida. Pode ser que um dia ainda me lixe.”
O único senão foi ali uma altura em que, para um livro que se chama “Não Há Coincidências”, as coincidências foram tantas e de tal ordem que mais parecia uma telenovela, acho que mais 4 ou 5 capítulos e já todos se tinham conhecido antes do tempo presente na história. Foi a única coisa que não gostei.
“A Maria está a irritar-me. Porque é que não hei-de ter sorte desta vez?
— E porque é que não hei-de ter sorte desta vez?
— Porque a sorte não se tem, constrói-se. E tu não sabes fazer luto de relações, mergulhas de cabeça logo na seguinte, quando a anterior ainda não acabou, e vais acumulando uma série de assuntos pendentes na tua vida. E essa confusão não te pode fazer bem.”
Dei 3 estrelas no Goodreads, embora seja talvez um 3,5. Realmente este não é o meu género preferido e é até pouco provável que volte a ler alguma coisa da autora, mas não posso dizer que não gostei, porque a verdade é que gostei e mesmo assim não me deixou de surpreender.
E vocês quem já leu este livro? Já leram outro livro de Margarida Rebelo Pinto? Se sim, qual? Comentem aí como se não houvesse amanhã! Obrigado a todos e até à próxima!
“Só recebi a fotografia quando a voltei a ver, já depois de o João Maria ter nascido. Enviou-ma pelo correio no dia dos meus anos e atirei-a para o cofre, nem me queria lembrar dessa noite em que fizemos amor pela última vez. Subimos a correr as escadas do apartamento de Santa Catarina, que estava quase vazio, ela mudara-se semanas antes. Era Verão e fazia calor. A lua cheia iluminava a sala pequena, Lisboa espalhava-se na imensa janela em telhados pejados de antenas e pontos de luz, numa vista de cortar a respiração. Lembro-me do sofá novo, branco, que tinha chegado nesse mesmo dia.
Quando acabámos, eu disse «que bom que bom» e a Vera encostou a boca dela ao meu ouvido e sussurrou: pode ser assim toda a vida, se quiseres…
Não quis. E o pior é que agora tenho de imaginar a minha vida sem ela.”
“O tempo está para o amor como o vento para os incêndios. Apaga os fracos e ateia os fortes. É uma espécie de teste, uma prova cega, uma forma inequívoca de clarificar aquilo que tanto queremos chamar amor e que não é mais do que o minúsculo embrião de um futuro incerto e tantas vezes improvável. Mas o amor está para o tempo como uma vela acesa ao luar, trémulo, impaciente, frágil, volúvel, fácil de acender e ainda mais fácil de apagar.”