Olá a todos, bem-vindos a mais uma opinião, neste fim-de-semana bem chuvoso que para nós rima tão bem com horas de leitura ao som da chuva!
O livro de hoje chama-se “Siddhartha” de Hermann Hesse, Nóbel da Literatura em 1946, tendo eu edição da Leya na versão livro de bolso. Este livro entra naquela categoria (se calhar já é mesmo necessário criar essa categoria) de grandes livros pequenos. Gosto muito deste tipo de livros, já falámos aqui de alguns (O Alquimista, O Homem em busca de um Sentido, O Monge que Vendeu o Seu Ferrari), e este livro foi o que menos gostei de todos os que referi. E é isso mesmo, o que menos gostei, o que significa primeiro que tudo que gostei, o que é sempre bom, só não senti uma ligação tão grande como com os outros. Será possível que seja desgaste por explorar este tipo de histórias em “excesso”?! Talvez… O excesso de algo bom, não deixa de ser um excesso (e eu sei bem do que falo, tenho o mesmo problema com o chocolate)!
Nesta história temos Siddhartha, nascido na Índia, filho de um brâmane, que decide largar a vida luxuosa para partir à descoberta do Mundo e de si mesmo pelo caminho. Na sua viagem, por vezes acompanhado outras vezes sozinho, Siddhartha passa por muitas dificuldades, mas também por momentos de belo prazer e é na busca desse equilíbrio que ele vai vivendo e seguindo a sua vida até se tornar um ser iluminado, independente e cheio de sabedoria.
“Siddhartha tinha um único objetivo: ficar vazio, vazio de sede, vazio de desejo, vazio de sonho, vazio de alegria e de tristeza. Deixar-se morrer, não ser mais o Eu, encontrar a paz de um coração vazio, descobrir o milagre do pensamento puro, era o seu objetivo. Quando a totalidade do Eu estiver dominado e morto, quando todos os vícios e inclinações desaparecerem do coração, então despertará o mais profundo do Ser, aquilo que já não é o Eu, o grande segredo.”
Como irão ver pelos excertos e numa nota mais leve, se Siddhartha tivesse nascido entre o fim do século passado e o início deste, podia muito bem ser jogador de futebol, tal a frequência com que fala de si na terceira pessoa do singular!
“À noite, depois da hora da contemplação, Siddhartha disse a Govinda:
— Amanhã cedo, meu amigo, Siddhartha irá ter como os samanas. Siddhartha tornar-se-á um samana.
Govinda empalideceu, ao ouvir estas palavras, e no rosto imóvel do seu amigo leu a determinação, impossível de desviar do seu curso como a flecha lançada por um arco. Govinda percebeu imediatamente: começou, agora Siddhartha seguirá o seu caminho, agora o seu destino começa a concretizar-se, e o meu com o dele. E ficou lívido, como a casca seca de uma banana.
— Siddhartha — exclamou —, irá teu pai permitir-te tal?
Siddhartha olhou para cima como alguém que desperta. Rapidamente, leu a alma de Govinda, leu nela o medo, leu a resignação.
— Govinda — disse ele em voz baixa —, não desperdicemos as nossas palavras. Amanhã, ao romper do dia, começarei a viver a vida dos samanas. Não falemos mais disso.”
Foi engraçado também ver os conflitos interiores do personagem quando ele passa de filho e se torna um pai, que tal e qual como o seu, tenta castrar as necessidades próprias que o seu filho sente precisar de partir à descoberta. Tal pai, tal filho, Siddhartha só não tinha visto ainda essa situação duma perspectiva igual à do seu pai, que como a maioria dos pais, tenta sempre proteger os seus descendentes de passar dificuldades e viverem na maior segurança possível.
Todo o livro pode ser transportado para a realidade actual e para com eles aprendermos, seja na perspectiva de pai ou de filho, a compreender melhor o outro lado, mas sem nunca esquecer que cada um de nós só tem uma vida e que somos nós eu a temos que viver segundo os nossos princípios e as nossas vontades, sabendo e acarretando as consequências dessas decisões que vamos tomando ao longo do tempo.
“Foram precisos muitos anos para perder o espírito, para esquecer como se pensa, para esquecer a unidade. Não será assim, não me terei transformado, através de muitos atalhos, de homem em criança, de pensador em membro do povo de crianças? E no entanto este caminho foi muito bom, e no entanto a ave que habita no meu peito não morreu. Mas que caminho foi este! Fui obrigado a cometer tantos erros, tantos pecados, tantas loucuras, a enfrentar tanta miséria e desilusão e sofrimento, para voltar a ser uma criança e poder recomeçar. Mas foi o caminho certo, o meu coração concorda, os meus olhos sorriem-lhe. Tive de sobreviver ao desespero, tive de descer ao pensamento mais insensato, à ideia de suicídio, para poder experimentar a misericórdia, para aceitar novamente o Om, para poder voltar a dormir bem e acordar bem. Tive de ser um louco para descobrir o Atman em mim. Tive de pecar para poder voltar a viver. Para onde me conduzirá ainda o meu caminho? É um caminho louco, anda às curvas, anda talvez em círculos. Que vá por onde quiser, eu segui-lo-ei.”
Para quem, como eu, gosta sempre de fazer este exercício de aprendizagem e projecção para a nossa realidade, recomendo mais este livro para juntar a tantos outros que já falei aqui no blogue. Obrigado pela vossa presença, vão comentado, lendo muito e até à próxima!
“— Agradeço-te — disse Siddhartha —, agradeço-te e aceito. E também te agradeço, Vasudeva, por me teres escutado tão bem! Poucas são as pessoas que sabem escutar e nunca conheci nenhuma que o fizesse como tu. Também isso aprenderei contigo.”
“— O que poderia ter eu para te dizer, ó Venerável? Talvez dizer-te que procuras demasiado? Que enquanto procurares nunca conseguirás encontrar?
— Como assim? — perguntou Govinda.
— Quando alguém procura — respondeu Siddhartha — pode acontecer que os seus olhos vejam apenas a coisa que ele procura, que não permitam que ele a encontre porque ele pensa sempre e apenas naquilo que procura, porque ele tem um objetivo, porque está possuído por esse objetivo. Procurar significa ter um objetivo. Mas encontrar significa ser livre, manter-se aberto, não ter objectivos. Tu, Venerável, és talvez um homem à procura, pois, perseguindo o teu objetivo, muitas vezes não vês aquilo que está perante os teus olhos.”